O pensamento libertário do pensador de vanguarda e confesso “antidemocrata” Hans-Hermann Hoppe sobre suas provocantes teses.
Prof. Hoppe é entrevistado por Moritz Schwarz
Senhor Professor Hoppe, você é um conhecido antidemocrata. Você não teve dificuldades em seu tour de palestras pela Europa para entrar na República Federal da Alemanha?
Hoppe: Não, e eu não conto também que isso ocorrerá no futuro. Eu proferi palestras por dúzias de países em todo o mundo e nunca tive dificuldades.
Como ocorre então que em um país “acentuadamente democrático” como a Alemanha, você seja mesmo com seu ponto de vista um convidado bastante cobiçado, por exemplo, já há muito tempo pela Fundação Friedrich-Maumann, simpática ao FDP?
Hoppe: Porque eu sou diferente e tenho algo diferente para contar ao contrário dos “chatos de plantão” da política e dos “líderes” da mídia. Eu sou provocador e permaneço na discussão intelectual e no esclarecimento em alto nível.
Sua tese prega que a democracia é uma ordem política que não garante o governo do povo, mas sim sua exploração.
Hoppe: A essência da democracia é a redistribuição que corresponde exatamente à distribuição do poder político. Quer dizer, aqueles que estão no poder distribuem em prol de uma clientela e aos custos dos clientes dos outros partidos. Com justiça isso tem nada em comum, e direitos básicos como a propriedade privada são perdidos na dúvida, em um piscar de olhos. Como agravante vem que o partido, que está no poder, tem somente quatro anos até ser eleito novamente. E esta redistribuição acontece então de forma mais rápida e irresponsável. Ao contrário da monarquia, a qual “feliz” superação deve-se injustamente à democracia, o Estado estava potencialmente para sempre nas mãos da mesma dinastia. Em conformidade a isso, o monarca poupa sua posse. Na democracia, o Estado não pertence a ninguém e com isso é aviltado descaradamente pelo partido da vez.
Por exemplo?
Hoppe: Por exemplo, a República Federal da Alemanha. O centro da crise fundamental e atual deste país é que os políticos prometeram aos eleitores por décadas a fio mais e sempre mais. Eles distribuíram, do ponto de vista da economia pública, o que não era para distribuir, somente para serem reeleitos. E os eleitores se deixaram corromper, conscientes do que acontecia. Mas todos queriam tirar proveito para si deste gigantesco arrastão. O exemplo clássico é Konrad Adenauer que implementou sua reforma previdenciária contra o bom conselho dos especialistas, somente para ganhar eleitores, sem se importar que tenha plantado a semente do fim do sistema previdenciário da República alemã. Hoje, a Alemanha tem os cofres vazios e a dívida tornou-se impagável. Todos xingam aqueles que viviam outrora acima da média. Isso não faz sentido! Estas pessoas se comportaram simplesmente de acordo com as regras do sistema. Não xinguem os jogadores se o jogo não lhe agrada, xinguem as regras do jogo! Xinguem a democracia! Liberdade ao invés de democracia!
Você não deveria então ser desconvidado e combatido por todos os democratas?
Hoppe: Tratando-se de bons democratas, você tem toda a razão. Mas bons democratas – ou seja, defensores do princípio de que A e B, por formarem uma maioria em relação a C, poderiam roubar ou exercer tutela sobre este – são para mim somente comunistas “moderados”, e não ser convidado por eles é considerado por mim uma honra. Só não existem muitas pessoas que se voltam para este princípio quando se é falado claramente. Não existe democracia nem na família nem na igreja, principalmente na católica, nem nas ciências ou na economia. Em nenhum lugar os votos são iguais. Em toda parte existem graus naturais de autoridade.
Você é um caso para o departamento de proteção da Constituição?
Hoppe: O departamento de proteção da Constituição não sabe o que devem fazer comigo e com minhas posições. Eu me encontro totalmente fora dos esquemas usuais de classificação política. Com certeza sou um inimigo do Estado democrático, mas afirmar que eu seja inimigo da liberdade, da propriedade privada, da família e de tudo aquilo que o cidadão normal tem como valor e apreço, é um absurdo, uma piada completa. Também o departamento de proteção da Constituição precisa do respaldo da opinião pública. Eu duvido que consigam me rotular como um monstro.
A República alemã não possui uma Constituição elaborada pelo povo alemão. Ela nem ao menos tem um Tratado de Paz com os aliados – NR
Mesmo assim, o problema existe há muito tempo: e não devido ao antidemocrata Hoppe, mas por causa de seu opositor, o editor conservador Götz Kubitschek, o qual defende de forma picante contra você a democracia como forma de Estado. A universidade de Greifswald indisponibilizou as salas para o evento – com a informação de que Kubitschek fosse um “intelectual de direita” (JF reportou).
Hoppe: Todo o contratempo me parece sintomático para a situação política na Alemanha..
De que forma?
Hoppe: Democracia não tem nada a ver com liberdade. Democracia é o domínio das massas, estimulado e inseguramente conduzido pelos demagogos. Principalmente a democracia alemã apresenta traços de um leve totalitarismo, através de vasta e frequentemente não levada a sério auto-censura.
Por que você imigrou, em 1985, justamente para os EUA, que se considera o berço da democracia?
Hoppe: Depois de minha promoção em 1981, eu recebi por cinco anos uma bolsa de estudos da Fundação Heisenberg. Extra-oficialmente, comentava-se que após a bolsa poder-se-ia contar com uma cadeira no departamento. Mas para mim ficou logo claro que no meu caso, com meu comportamento, com certeza isso não iria acontecer. Por isso me mudei para os EUA , onde se confirmou a acertada previsão de que tanto o mercado de trabalho acadêmico, assim como o usual, eram flexíveis o suficiente para poder abrir uma chance a posições independentes como a minha. Não foi fácil para eu conquistar meu espaço na América. Mas na Alemanha eu teria sucumbido, lá eu encontrei em contrapartida desde o início amigos e apoiadores.
Você falou de “totalitarismo“ da democracia. Você quer dizer o “politicamente correto” (PC)? Ele também proveem dos EUA!
Hoppe: Está correto. O movimento PC é sem dúvida mais antigo nos EUA do que na Alemanha ou na Europa. Ele começou com a chamada legislação dos direitos civis da metade dos anos 60 e se manifesta hoje em inúmeras ações-afirmativas do cotidiano, regulamentação através de cotas e proibições discriminatórias. Neste ínterim, só existe um único grupo de pessoas não-protegido: o homem branco heterossexual. Elas compõem o grupo de responsáveis pelo mal do mundo. Todos os outros grupos de pessoas são suas “vítimas”. Se a situação hoje na América é pior ou melhor do que na Europa, é difícil de se avaliar. Nos EUA, o politicamente correto traz à tona as mais esquisitas proposições. Mas embora os pecadores dificultem a vida dos espíritos corretos e não raramente arruínam a carreira, há uma diferença em relação à Alemanha e diversos países europeus, pelo menos lá não se aplicam sanções penais quando um indivíduo se expressa sobre temas controversos.
Por exemplo?
Hoppe: Pense no parágrafo de incitação popular, que coloca sob ameaça de punição determinados comentários sobre a recente história alemã, mesmo se eles se caracterizam por proposições dignas de pesquisa. Com isso atinge-se em minha opinião somente o contrário daquilo que se queria. Se determinados comentários são proibidos, aparece quase que automático a suspeita de que algo de verdadeiro deve existir possivelmente por detrás. Pois do contrário, por que lançar mão de tal medida drástica como a proibição de se expressar?
De volta à democracia: se a democracia não é uma forma de liberdade, mas sim uma forma de exploração, o que significa então o mito primordial da democracia na Europa, a Revolução Francesa?
Hoppe: Certamente a imagem da Revolução Francesa deve ser ainda corrigida em sua essência, apesar de que nos últimos anos já exista profundos avanços nesta direção. A Revolução Francesa pertence na mesma categoria das piores revoluções como a Revolução Bolchevique e a Revolução Nacional-Socialista. Assassinato do rei, igualitarismo, democracia, socialismo, ódio religioso, terror, saques, violentamentos e assassinatos em massa, o serviço militar obrigatório e a guerra total ideológica – tudo isso temos de agradecer à Revolução Francesa.
Isso já faz mais de 200 anos. Como os povos puderam se deixar enganar por tanto tempo?
Hoppe: A maioria das pessoas, sempre e por toda parte, são insensatas e tolas. E o chamado Estado do bem-estar e o sistema de ensino “público” contribuem para que a população se torne ainda mais estúpida. Eles não pensam por si só, mas sim rezam somente aquilo que a elite prega. E a elite tem todo o interesse em manter já várias vezes a massa tola, pois assim elas aproveitam desta tolice.
Você não analisa somente a democracia, mas ao mesmo tempo também o Estado em si como um desenvolvimento equivocado da História. Como é que tudo isso se desenvolveu, se é tão superficial?
Hoppe: Se coloque na condição de 1989. Lá podia se perguntar: você considera o socialismo um desenvolvimento equivocado, como é que ele se desenvolveu? A resposta: a História não é um processo retilíneo, onde se avança somente para frente e para cima. Existem também desenvolvimentos errôneos. O socialismo coloca tal desenvolvimento errôneo a curto prazo, o Estado coloca um outro a longo prazo. A sim, naturalmente os dois preenchem uma função “importante”: o socialismo permite ao partido socialista explorar a população trabalhadora em seu próprio interesse, e o Estado age da mesma forma para os governantes.
Você acusa o conservadorismo de não ser à vista de tudo nada mais do que “Socialismo“. Mas não é você mesmo – com sua visão utópica da figura humana com responsabilidade própria – o “Socialista”?
Hoppe: Veja você mesmo o Manifesto Comunista com mais de 150 anos, então você irá concordar comigo que os partidos conservadores do presente engoliram uma grande parcela da ideologia socialista. A queda do SPD que vivenciamos no presente na Alemanha, não é um sinal do fracasso do Socialismo, mas sim de seu triunfo: não existe mais motivo aparente para eleger o SPD, se todos os partidos são social-democratas! Deste ponto então, eu nada espero da eminente “mudança” de vermelho-verde para preto-amarelo nas eleições do parlamento marcadas para o outono. Quanto à pergunta a cerca da utopia, você se engana: os socialista são utópicos, pois eles partem do pressuposto que a vinda do socialismo traz a mudança da natureza humana. Isso é um absurdo natural, pura devota esperança. Libertários, como eu, são ao contrário realistas. Nós tomamos as pessoas pelo que elas são – boas e más, pacíficas e agressivas, altruístas e egoístas, produtivas e improdutivas, aplicadas e preguiçosas, responsáveis e irresponsáveis etc. – e não acredite que a natureza humana seja mutável. Como realista estou convencido que estímulos funcionam sempre e em todo lugar. Deve-se criar uma estrutura institucional de estímulo, onde o “bom” comportamento seja recompensado e o “mau” punido. Isso não vai eliminar o “mau” comportamento, mas irá diminuir sua frequência e intensidade.
E este estímulo cria então por exemplo o sermão do Estado de Direito conservador-liberal democrático e controlado!
Hoppe: A instituição de um Estado, que ao contrário das outras instituições pode recolher pagamentos obrigatórios (impostos) e que em todas as disputas conflituosas, incluindo aquelas em que ele próprio está envolvido, ele mesmo é o juiz, aplica um falso estímulo: por um lado permite que pessoas ganhem um pro labore, sem ter que produzir um bem ou um serviço para consumidores voluntários. Em outras palavras: ele honorifica pessoas que produzem bens ou “anti-bens” de baixa qualidade. De outro lado, o Estado encontra estímulo não para terminar com conflitos, mas sim para provocá-los, e então para magistrar e decidir em proveito próprio. Em outras palavras: o Estado premia a prática de contravenções.
Sua análise da irrefreável derrocada do Estado do bem-estar é atualmente difícil encontrar contra-argumentos. Nós, alemães, iremos perder de fato nossa mais querida criança política, o Estado Social alemão?
Hoppe: O chamado Estado Social – trata-se enfim aqui daquilo que chamamos “roubar e esconder” , mas não de uma verdadeira, voluntária e denominada então moralmente de Política Social – irá também ruir, como o comunismo sucumbiu. Todo o sistema de seguro social, os contratos entre as gerações, são condenados ao abismo como uma corrente de cartas. Cada empreendedor, que fosse oferecer tal sistema de seguros, seria condenado de imediato como estelionatário. Que ainda na Alemanha, mesmo à vista da crescente expectativa de vida e declínio do taxa de natalidade, se faça parecer como se estivessem lidando como uma grande invenção, prova o quão irresponsável e inimigo público a classe política tenha se tornado.
Prof. Dr. Hans-Hermann Hoppe é considerado um dos mais destacados pensadores de vanguarda do movimento libertário mundial. Nascido em 1949, em Peine. Ele estudou sociologia e economia e mudou-se em 1985 para os EUA, para estudar com Murray Rothbard, sucedendo-o em seu departamento na universidade. Hoppe é um “Distinguished Fellow” do Instituto Ludwig von Mises em Auburn, editor do Journal of Libertarian Studies e autor de diversos livros. Seu provocante estudo “Democracia – o Deus, que não é um” (editora Manuscriptum, 2003) alcançou a sétima edição e foi traduzido até agora para o alemão, espanhol e coreano. Traduções para o polonês e italiano estão em preparação.
Artigo publicado pela primeira vez em nosso Portal a 17/11/2011.