“Humano é, para o Ocidental, um herói como Aquiles ou Fausto em uma luta espiritual criadora, a força incomparável de um Leonardo ou ainda a combatividade de um Richard Wagner ou um Friedrich Nietzche”, observava Alfred Rosenberg.
Alfred Rosenberg e a releitura do ser humano dostoievskiano
“O mito do Séc. XX – uma valoração das lutas anímico-espirituais das formas em nosso tempo” pode bem ser considerada a obra de maior importância para a compreensão da corrente ideológica da Alemanha dos anos 30, uma vez que o tão famoso (e censurado) “Mein Kampf” teria sido um trabalho apressadamente escrito e feito à flor da pele, segundo quem o concebeu.
A análise de tal obra, aliás, não nos causa constrangimentos. Pois somente a ignorância, um preconceito inegável ou um ódio bem alimentado é que têm impedido pesquisadores acadêmicos ou independentes (ou simplesmente amantes da História) de uma análise crítica e aproximadamente imparcial dessa entre tantas obras silenciadas em nosso século, entre as quais estão muitas editadas no período de 1923 a 1945 na Alemanha.
Roger Dommergue, judeu francês, afirma que não se é possível emitir qualquer julgamento prévio
sobre o Nacional Socialismo alemão, sem que se tenha feito a leitura de “O mito do Séc. XX”,
obra ainda não disponível em português, o que é uma pena para os pesquisadores
e demais interessados no tema
Em determinadas passagens da extensa obra acima comentada, Alfred Rosenberg busca analisar elementos que estiveram a exercer influência sobre a essência dos povos, em suas mais diversas manifestações. Uma delas foi a Literatura. Viu em Confúcio todo o reflexo anímico-espiritual chinês. Viu em Platão e Sócrates o Prometeu helênico. Em Dostoievski, “uma lente de aumento da alma russa”. Esteve próximo de um Hoffmannstrahl, ao acreditar que a Literatura conserva em si o protótipo dos povos, sendo tal qual uma catapulta. O que hoje está escrito, pode ser bem o reflexo do amanhã.
Neste sentido, há quem diga, em questão de Brasil, que o quadro catastrófico da política atual poderia bem ser explicado por nossos antecedentes literários, quando se fez sabotadores de heróis – NR.
Apesar de ter sido apenas escritor, Dostoievski foi responsável por trazer ao mundo uma nova concepção de amor que viria a emergir durante o século 19.
Ainda que eminente nos anos 30, a questão judaica na visão do escritor russo não é o foco da abordagem de Rosenberg. É sabido, por exemplo, que Dostoievski foi profundamente crítico com relação ao comportamento de muitos judeus em solo russo, chegando mesmo a questionar: “Agora, como seria a situação se na Rússia não vivessem três milhões de judeus, mas sim três milhões de russos e oitenta milhões de judeus? Os judeus permitir-nos-iam direitos iguais? Permitir-nos-iam viver livremente com nossas crenças?”. Parte dessas críticas pode ser encontrada no seu famoso “Diário de um escritor”, e que há não muito foi bem explorado no artigo “Dostoievski on the Jews”, pelo Dr. William Pierce. Segundo este, Dostoievski teria revelado traços proféticos ao supor que posteriormente um movimento seria encabeçado na Rússia por estrangeiros e levaria a um genocídio sem igual, do qual o povo camponês seria a vítima principal.
“Dostoievski é uma lente de aumento da alma russa; através de sua personalidade,
é possível conhecer a Rússia em toda sua diversidade, sempre difícil de ser interpretada” – Alfred Rosenberg
A Literatura de Dostoievski é discutida tanto no primeiro quanto no segundo tomo de “O mito do Séc. XX”. Deixando-se de lado os apontamentos que envolvem a natureza criativa do gênio russo, o parecer que nos interessa é justamente a releitura deveras original de Rosenberg: a de que indiretamente, Dostoievski pôde ter aberto o caminho, através de sua Literatura, para o triunfo do bolchevismo.
Para Rosenberg, a servidão catastrófica instalada no território russo viria a ser nada mais que uma simples conseqüência do espírito de humilhação do mestre gerador de obras como “Crime e castigo” e “Os irmãos Karamazov” – estaria assim fundado o conflito permanente entre sofrimento e honra, no qual aquele pôde sair vitorioso. Dostoievski mesmo acreditava que o russo possuía uma atração inegável para o sofrimento.
Fruto de um sangue envenenado (pois é esta a interpretação do autor), “a honra, enquanto força-motriz, não se manifesta” na literatura russa, diferentemente de um Ocidente cujos personagens prezavam por questões como honra e liberdade, mesmo que à espera de uma fogueira. Isto teria levado a procuras frustradas de Turgueniev, Gorki e Andrejev em busca do protótipo de um herói russo.
Sua crítica, segundo suas próprias palavras, não se voltava ao Dostoievski enquanto pessoa, homem nobre e sublime, e sim à proporção que pôde tomar a incorporação do legado de seus personagens.
“Como ‘humano’”, apontava Rosenberg, “passou a se considerar desde então tudo o que era enfermo (…). Os humilhados e perseguidos foram transformados em heróis; os epilépticos, de certo modo intocáveis, como santos”.
Mesmo com sua inclinação pela redenção e os olhos sempre voltados para cima, é possível afirmar que o Dostoievski patriota e nacionalista está mais presente em suas observações pessoais que em seus personagens, os quais carecem de um ímpeto heroico e libertador. O Reichsleiter temia que o pensamento dostoievskiano pudesse exercer influência sobre uma Alemanha que buscava se reerguer de toda a sorte de dificuldades, às quais esteve susceptível após o término da Primeira Guerra Mundial. Deste modo, Dostoievski poderia ser estudado, lido e admirado, mas de seus personagens nenhum legado deveria ser incorporado.
“Humano é, para o Ocidental, um herói como Aquiles ou Fausto em uma luta espiritual criadora, a força incomparável de um Leonardo ou ainda a combatividade de um Richard Wagner ou um Friedrich Nietzche”, observava ele.
Para Rosenberg, era preciso reviver a mística do sangue – mito do século 20 –,
pois nos tempos onde “os contornos das personalidades atuantes parecem distantes de suas linhas,
forças motrizes internas falsamente interpretadas, o sangue foi privado de sua alma
e reduzido a uma fórmula química perfeitamente ‘explicada’”.
Outro ponto destacado é a forte influência cristã em Dostoievski, de um cristianismo sem espada, submisso, detentor em si da mesma estrutura de pensamento bolchevique, de modo que a servidão e o espírito de igualdade absoluta levariam o mestre russo até mesmo a entender o corpo enquanto profano; indiretamente, isso tudo também se opunha a um despertar nacional.
Assim sendo, a humilhação, o espírito de servidão, a culpa, a exaltação de pessoas moralmente degradadas, junto ao peso de um cristianismo não-heroico e negativo, teria sido como que o receptáculo da revolução encabeçada por Trotsky, cujo preço à humanidade se estima em 100 milhões de mortos. Para Rosenberg, a soberania bolchevique foi apenas possível por ser uma “consequência de um organismo racial e animicamente enfermo, que não pôde escolher pela honra até que o ‘amor’ estivesse extinguido”, entenda-se amor, neste sentido, enquanto pacifismo absoluto, letargia, apatia.
“… hoje já não o condenaríamos”, foi o que disse Robert Kempner, judeu alemão,
fiscal suplente dos EUA durante o Linchamento de Nuremberg, no qual Alfred Rosenberg foi enforcado
At last but not least, à moda de Simões, como diz o épico inglês, é necessário ressaltar que “Der Mythus des XX Jahrhunderts”, que em 1936 passava dos 500 mil exemplares, apesar das críticas à forma criada de Dostoievski, não gerou qualquer influência no governo alemão para que as consagradas obras do “espelho da alma russa” fossem retiradas de circulação, muito diferentemente do ocorrido no lugar de nascimento do autor. Pois como observa Eugene Lyons, “o czarismo restringiu a livre expressão, [enquanto que] o comunismo soviético eliminou-a totalmente”.
Arquivo raro.
https://archive.org/details/the-rise-of-the-nsdap-19211933
“O mito do Séc. XX”,
obra ainda não disponível em português, o que é uma pena (…)
Verdade… Por que não se cria um tópico com a tradução. Umas duas páginas por dia…