O promotor público pede arquivamento de denúncia contra comunidade do Orkut que debate o suposto Holocausto judeu. Segundo o promotor, o “direito de liberdade de expressão é assegurado constitucionalmente.”
EXCELENTÍSSIMO JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ITAJAÍ/SC
PA Nº 1.33.008.000158/2009-50v
INVESTIGADO(S): NÃO HÁ
INCIDÊNCIA PENAL: ART. 20, LEI Nº 7716/89
PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO
Trata-se de procedimento investigatório criminal instaurado pelo MPF/SP para apurar a prática do crime previsto no art. 20, Lei n. 7.716/89, em razão de mensagens de ódio aos judeus que foram postadas no site de relacionamentos ORKUT, mais especificamente no fórum de discussões HOLOCAUSTO: VERDADES E MITOS.
Algumas peças do apuratório foram encaminhadas à PRM Itajaí, tendo em vista que, após diligências, se verificou que o usuário XXX com endereço em Itajaí, postou a seguinte mensagem no dia 15/12/2006, a saber:
“como falei antes, isso ia render frutos, logo logo vai ter muito materia inedito na internet, o holocausto já estava desmoronando, agora que vai pro chão de uma vez… sem o holoconto um certo povinho ai ta ferrado kkkkk” (fl. 20)
Pois bem.
Excelência, não há viabilidade na persecução penal.
Desnecessário se mostra em caso identificar a pessoa que postou a mensagem ora analisada. Veja-se.
O direito de liberdade de expressão é assegurado constitucionalmente. Não se vai aqui dizer que se trata de direito absoluto, ilimitado. Todavia, é preciso avaliar criteriosameente se o exercício in concreto do direito individual, de fato, resvalou para o campo da ilicitude, sob pena de se ferir de morte uma das garantias basilares de uma sociedade livre, qual seja, a liberdade de manifestação do pensamento. Por outro lado, a pretexto de defesa da garantia individual, não se podem tolerar abusos. Como se vê, o terreno é movediço, prenhe de dificuldades, a exigir do intérprete da norma constitucional equilíbrio e ponderação na busca da solução justa.
Feito o intróito, o caso, contudo, não me parece difícil.
O fórum de discussões HOLOCAUSTO: VERDADES E MITOS é assim apresentado pelo criador e mediador da comunidade, v.g.:
O que se encaixa como mitologia dentro do episódio da perseguição nazista aos judeus?
A historiografia do Holocausto está além de qualquer questionamento ou é inquestionável por ser imparcial?
Quais são os objetivos do Revisionismo Histórico no quesito “Holocausto”?
Esta comunidade tem por objetivo a livre discussão e a apresentação de fatos históricos ou mitológicos que causam furor no meio acadêmico nas últimas décadas, Aqui se apresentarão as mais renomadas teses e provas sobre o possível extermínio a gás e sobre o número de mortos em homicídios culposos ou dolosos nos campos de concentração e nos territórios ocupados pela Alemanha durante o período de 1933 a 1945.
Livre para debates, mas não para crimes. Não aceitarei preconceitos, racismo nem destilação de ódio tampouco ataques pessoais e palavras de baixo calão.
ASSUNTOS NÃO RELACIONADOS AO HOLOCAUSTO SERÃO SUMARIAMENTE APAGADOS. ANTISEMITISMO, IDEM. (fl. 14)
O criador da comunidade pretendeu criar um espaço virtual de livre discussão de idéias, tendo a salutar cautela de advertir previamente os participantes sobre a necessidade de observar limites éticos e jurídicos ao expressar opiniões. Enfatizou-se inclusive o interdito absoluto ao antisemitismo.
Constata-se que o espaço virtual criado no ORKUT foi para discussão de um tema difícil, quiçá, tabu para alguns, mas, em nenhum momento, pretendeu-se usar a Internet para a prática de racismo na forma do art. 20 da Lei nº 7.716/89.
Eventuais abusos que possam ter sido cometidos, o foram exclusivamente por participantes do fórum, contrariando as diretrizes impostas pelo mediador. Deve-se ter isso em mente ao analisar a mensagem tida por criminosa.
Vamos a ela.
Pela simples leitura da mensagem pinçada, percebe-se que o usuário participava de uma discussão prévia sobre tema relacionado ao Holocausto. Só há nos autos esta mensagem. Não se tem conhecimento do inteiro teor da discussão. Assim, ainda que a mensagem fosse manifestamente ofensiva, a amputação dela do contexto em que foi lançada, já seria um condenável proceder. Ora, quantas e quantas vezes não fomos mal interpretados, exatamente por que nossas palavras deixaram de ser analisadas no contexto em que lançadas. Qualquer um tem noção elementar disso.
Mesmo assim, mesmo fora do contexto, não se percebe intuito odioso, discriminatório na mensagem. O texto apesar de terrivelmente mal escrito e vulgar não pode ser tido como exercício de incitação, induzimento ao racismo (art. 20, Lei nº 7.716/89).
Ora, a idéia do texto é de simpatia ao revisionismo histórico. Por sua vez, o revisionismo histórico tem gradações, indo desde aqueles que impugnam o número aceito pela Historiografia Tradicional de execuções nas câmaras de gás até aqueles que negam tenham existido o Holocausto.
Diga-se que não é possível saber qual espécie de revisionismo defende o autor do texto.
O direito de crítica – aqui, crítica à opinião historiográfica comumente aceita – é uma das faces do direito de livre expressão do pensamento. O equívoco do pensar há de ser combatido pela razão, pela argumentação e não com prisão. Nem todos defendem idéias razoáveis. Alguns optam pela estupidez. E a estupidez, em uma sociedade livre, não torna ninguém criminoso.
DIANTE DO EXPOSTO, o Ministério Público Federal promove o arquivamento dos autos, requerendo haja homologação judicial.
Itajaí, 29 de abril de 2009.
PEDRO PAULO REINALDIN
PROCURADOR DA REPÚBLICA
http://ppreinaldin.blogspot.com/2009/05/promocao-de-arquivamento-crimes-de-odio.html